sábado, 2 de abril de 2011

CAPINHA

Teve uma infância difícil, desde pequena morou com a avó, foi ela quem lhe deu carinho, atenção e comida. Conta seus tios que sua mãe a abandonara pequena, quando estava totalmente envolvida num universo chamado drogas, que teve início no colegial, quando conheceu um rapaz alto, bonito e rico. Foi amor a primeira vista, saíram, dançaram, beberam e fugiram. Tinha apenas dezessete anos. Esse jovem a apresentou ao cigarro, até então desconhecido pela pequena donzela. Com o tempo ela acabou conhecendo o que era chamado pelos cientistas de cannabis sativa, a moda da época. Quando menos percebeu já estava grávida e viciada em crack. Contou para o parceiro, mas ele já estava longe. Sozinha, abandonada e grávida, voltou para a casa dos pais. Aceitou ser internada em uma clinica de desintoxicação, porém queria abortar a criança.
- De que me adianta um filho na barriga, sendo que nem conheço o pai dele!
A idéia do aborto foi rapidamente descartada pela família, a qual podemos dizer que tinha uma vida religiosa ativa. Depois de muitas discussões e tentativas de suicídio chegaram à conclusão de que a avó ficaria com a criança. Nasceu, chorou, cortaram seu cordão umbilical. Uma criança linda! Cabelos crespos, olhos castanhos, pele escura, um anjo que sem culpa alguma aparecera no mundo. Pena que nunca mamou no peito da mãe! Conheceu a mamadeira muito cedo, não só a mamadeira, como o abandono e a rejeição. Porém isso não a impediu de ser feliz. Desde que conheceu a palavra “mãe”, teve curiosidade de conhecê-la. Sabia que foi abandonada? Sim! Quase foi abortada? Sim! Mas queria dar uma oportunidade para a proprietária da barriga que a gerou justificar-se.
Em plena segunda feira, ouviu na mesa do jantar que uma mulher chamada Ivanilde foi presa, acusada de tráfico de drogas. Queria saber quem era, mas só ouviu o som do silêncio. Não resistindo ao olhar da criança, a avó resolve falar.
- Minha linda, Ivanilde é a sua mãe. Ela foi presa ontem a noite com um monte de coisas erradas.
- Onde ela está vovó?
- No presídio da cidade.
- Posso ver minha mãe?
-...!
A criança nem queria saber o motivo, razão ou circunstância que a mãe foi presa, pela primeira vez seu coração batia acelerado, afinal ela iria realizar um sonho, já tinha dez anos e ainda não conheceu sua geradora. No sábado, sua avó preparava alguns salgados para que a menina levasse na cadeia. Com muita insistência a menina conseguiu convencer a senhora de que tinha o direito de fazer uma visita.
- Minha netinha querida, esses salgados é para sua mãe, talvez você não a conheças, mas no papel está o seu sobrenome.
- Obrigado, vovó!
- Ah! Tome cuidado com as pessoas, muitas delas poderão tentar te enganar.
- Vou tomar cuidado, tchau!
Saiu de casa. Fechou o portão. E foi pela calçada. Andou muitas quadras até chegar ao centro da cidade. Como não tinha muita informação, resolveu perguntar onde ficava a cadeia. Porém aquela cidade estava cheia de imigrantes, alguns vieram do nordeste, outros do sul, tinha gente até do estrangeiro. Ninguém conseguiu responder sua pergunta. Até que chegou a ela um homem bem vestido, de óculos escuros.
- Bom dia garotinha, mas não pude deixar de ouvir. Você quer ir até a cadeia?
- Sim! Minha mãe está lá e tenho que fazer uma visita.
- Como chama sua mãe?
- Ivanilde!
- Sabia que a conheço? Se quiser posso te levar até ela.
A menina pensou, lembrou dos conselhos da avó e recusou a oferta do Homem. Ele insistia, tentou de várias maneiras convencê-la a entrar no carro, sem sucesso. Percebendo que muitas pessoas já estavam observando aquela cena o homem foi embora. Anos depois ela veria a foto dele no jornal. Acredita que ele estava sendo procurado pela polícia, acusado de pedofilia e tráfico de crianças? Horas depois ela chega à prisão. Foi revistada, olharam os salgados, mas a deixaram entrar. Um homem sério, fardado e alto colocou-a em uma cadeira branca e pediu para esperar. Até que chega uma mulher.
- Mamãe?
A mulher não resiste a doce voz da criança, ao vê-la sente uma grande amargura e arrependimento. Fica parada em frente à mesa, sem reação. A criança sai da cadeira e a recebe com um abraço. Abraço que chega somente a sua cintura, mas que para a mãe tem um valor imenso. Não consegue dizer uma palavra à criança, estava descobrindo da maneira mais estranha o significado da palavra amor, talvez do sentimento amor.
- Mãe, por que seu rosto está todo vermelho?
- É a alegria que estou sentindo, pois nunca imaginaria que você iria me ver!
- Ah, e como você está magra mamãe, o que aconteceu?
- Minha filha, eu tive uma vida muito errada, acabei mexendo com coisas erradas que me deixaram assim.
- E por que você está cheia de cicatrizes?
- Apanhei muito nessa vida, tanto de pessoas, como da polícia.
- E essas lágrimas nos seus olhos mamãe?
- É felicidade minha filha, acabei de encontrar um motivo para viver.
Nesse momento a mulher levanta e volta para a cela. A menina a observava da cadeira, cheia de dúvidas e alegria. Esperando o primeiro sábado do mês seguinte. O sábado de aleluia.

                                                                (Jucinei Rocha dos Santos - Abril 2011)







 *A colagem foi feita por Silvia Rossine.

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